O relógio de pulso marcava seis e meia da manhã e ela voltava para casa.
Os passos eram lentos, no ritmo que a descrença e a bebedeira permitiam, e no fundo ela protelava o momento de abrir a porta da frente de casa. No horizonte o dia clareava cada vez mais. O céu tingido de vários tons de dourado e alaranjado anunciavam um dia bonito pela frente. Coisa que ela ,se tudo desse certo, não veria: estaria trancada no quarto curando a ressaca física e moral.
A primeira era curada rapidamente: analgésico, água, café forte.
A outra levava um tempo maior, e um martírio um pouco maior também, para se curar.
Existiam fases: do questionamento a certeza, da dúvida a cruel a constatação de que desde o começo sabia-se de tudo, vislumbrara todos os acontecimentos e não tivera, em momento algum, intenção de evitá-los.
A confusão ao desacreditar de si mesmo, ao culpar os outros, ao tentar entender os outros.
A bebedeira que expulsa a verdade à força da boca, que atiça os mais leves sentidos até que tudo se torne perigosamente inebriante, confunde e esclarece as coisas.
Entrou em casa, despiu-se, sentou-se a cama, encarou o rosto levemente pálido no espelho.
Mais uma vez.
Novamente a gênese e o apocalipse de pequenos universos e delicados paradoxos. De novo motivo de noites sem dormir ao remoer palavras ébrias.
E então a frase que se repete a cada noite cheia de alcool: "Eu nunca mais farei isso..."
Eu nunca...
"Bebamos! nem um canto de saudade! Morrem na embriaguez da vida as cores! Que importam sonhos, ilusões desfeitas? Fenecem como as flores!"
José Bonifácio
*Texto antigo, de 2008, mais ainda me faz ter certa reflexão
**Pintura de Edward Hopper, a tristesa e a solidão que ele tinha a capacidade de expressar em seus quadros é algo absurdamente impressionante.
2 comentários:
Ler. Pensar. Fazer. Expressar. Usar de termos no infinitivo somente para parecer ser eterno o movimento dos corpos. Corpos de saudades , vontades e de não arrependimentos. O que me importa essa realidade se não sou capaz de imaginar? Palvras de um ébrio.
Suas palavras não me parecem imaginárias tão pouco reais e muito menos palavras de um ébrio. Mas é fato que elas me expressam movimento. Movimento daqueles, poucos, que possuam a coragem de dizer o que sente. Entre tantas palavras para você: Ir. Ser. Viver. e sobretudo Amar.
Bom, depois escute I'd Rather Go Blind de Etta James, por algum motivo esse seu texto me fez lembrar dessa música, afinal esse seu texto me faz lembrar o som do Blues, pois é preciso paixão para poder cantá-lo assim como é preciso paixão para poder escrever.
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