sábado, janeiro 16, 2010



O relógio de pulso marcava seis e meia da manhã e ela voltava para casa.

Os passos eram lentos, no ritmo que a descrença e a bebedeira permitiam, e no fundo ela protelava o momento de abrir a porta da frente de casa. No horizonte o dia clareava cada vez mais. O céu tingido de vários tons de dourado e alaranjado anunciavam um dia bonito pela frente. Coisa que ela ,se tudo desse certo, não veria: estaria trancada no quarto curando a ressaca física e moral.

A primeira era curada rapidamente: analgésico, água, café forte.

A outra levava um tempo maior, e um martírio um pouco maior também, para se curar.

Existiam fases: do questionamento a certeza, da dúvida a cruel a constatação de que desde o começo sabia-se de tudo, vislumbrara todos os acontecimentos e não tivera, em momento algum, intenção de evitá-los.

A confusão ao desacreditar de si mesmo, ao culpar os outros, ao tentar entender os outros.

A bebedeira que expulsa a verdade à força da boca, que atiça os mais leves sentidos até que tudo se torne perigosamente inebriante, confunde e esclarece as coisas.

Entrou em casa, despiu-se, sentou-se a cama, encarou o rosto levemente pálido no espelho.

Mais uma vez.

Novamente a gênese e o apocalipse de pequenos universos e delicados paradoxos. De novo motivo de noites sem dormir ao remoer palavras ébrias.

E então a frase que se repete a cada noite cheia de alcool: "Eu nunca mais farei isso..."

Eu nunca...

"Bebamos! nem um canto de saudade! Morrem na embriaguez da vida as cores! Que importam sonhos, ilusões desfeitas? Fenecem como as flores!"

José Bonifácio

*Texto antigo, de 2008, mais ainda me faz ter certa reflexão

**Pintura de Edward Hopper, a tristesa e a solidão que ele tinha a capacidade de expressar em seus quadros é algo absurdamente impressionante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ler. Pensar. Fazer. Expressar. Usar de termos no infinitivo somente para parecer ser eterno o movimento dos corpos. Corpos de saudades , vontades e de não arrependimentos. O que me importa essa realidade se não sou capaz de imaginar? Palvras de um ébrio.
Suas palavras não me parecem imaginárias tão pouco reais e muito menos palavras de um ébrio. Mas é fato que elas me expressam movimento. Movimento daqueles, poucos, que possuam a coragem de dizer o que sente. Entre tantas palavras para você: Ir. Ser. Viver. e sobretudo Amar.

Anônimo disse...

Bom, depois escute I'd Rather Go Blind de Etta James, por algum motivo esse seu texto me fez lembrar dessa música, afinal esse seu texto me faz lembrar o som do Blues, pois é preciso paixão para poder cantá-lo assim como é preciso paixão para poder escrever.